Mesa Completa - Por Solange Souza

    Menu

    Colunistas • 31 de janeiro de 2018

    Remanso do Bosque

    Conto aqui minha experiência neste famoso restaurante de Belém do Pará, dos irmãos Thiago e Felipe Castanho – Gerson Lopes

    Adoro ir a Belém, capital do Pará, para ministrar palestras médicas, quando posso também desfrutar de sua culinária. Alguns gourmets acham que ela empata com a “das Minas Gerais”, entretanto, mesmo sendo mineiro, acho que a supera. Ao longo do tempo fiquei fã de carteirinha. E não é só minha opinião, pois, em estudo recente promovido pelo Ministério do Turismo, a gastronomia paraense é a mais bem avaliada do país. Em dezembro de 2015, Belém recebeu o título internacional de Cidade Criativa da Gastronomia pela Unesco, o que a tornou referência mundial em gastronomia.

    Não se pode visitar Belém sem deixar de ir ao famoso restaurante Remanso do Bosque, dos irmãos Thiago e Felipe Castanho. Lá, o chef Thiago Castanho, detentor de vários prêmios nacionais e internacionais, interpreta de maneira magistral clássicos da culinária paraense.

    Estive no final do ano que passou nesse restaurante e gostaria de compartilhar com vocês minha experiência enogastronômica, onde experimentei duas harmonizações, um tinto e um branco, com alguns de seus mais afamados pratos. Levei comigo um amigo fraterno e famoso urologista belenense, que depois de várias idas à sua terra, me mostrou ser um expert no manejo de seus pratos típicos. Sua esposa, paulista de nascimento (Mococa), na verdade, é a grande “chef”, pois, como poucos, aprendeu a fazer receitas da cozinha paraense, sejam de carnes como filé mignon de búfalo, frutos do mar e do rio, como camarões VG, aviú, que é um microcamarão de água doce conhecido também como caviar brasileiro e caranguejo, assim como peixes regionais como filhote, pirarucu, tambaqui, etc. Em todas as minhas idas, o casal me surpreendeu com uma mesa farta, em geral, nunca menos de 10 manjares dos deuses em cada encontro.

    Mas vamos voltar ao Remanso do Bosque. Ao chegar o cardápio, a vontade é de pedir tudo, mas como éramos apenas duas pessoas, começamos com a Linguiça artesanal de maniçoba e os Guiozas de carne com jambú, molho tucupi, melaço e shoyu. Na parte do cardápio de peixes, frutos do mar e do rio, pedimos Filhote assado na brasa – o clássico! – e Tambaqui do Amazonas assado na brasa. Da parte de carnes e aves, fomos de Arroz de pato à paraense. Pulamos o setor para vegetarianos e pedimos de sobremesa a Mousse de chocolate inspirada no Combu (A “Jardinagem”). Inesquecível! Memorável! Inolvidável! E muitos sinônimos mais. Esta sobremesa não precisa da companhia de nenhuma bebida, pois só já é deslumbrante.

    O Remanso do Bosque tem uma boa carta de vinhos, selecionados por Felipe Castanho, considerado também um mestre em drinques com frutas amazônicas. Há também no cardápio boas opções de caipirinhas e cervejas, inclusive uma artesanal do restaurante (Remanso Mango). Achei caro a taxa de rolha e, conhecendo e estudando um pouco sobre a culinária paraense, optei por levar dois vinhos.

    Os elementos comuns aos pratos escolhidos teriam componentes de salgado (+++), doce (++), aromas herbáceos (+++), frutado (++) e texturas moderada, macia e algo picante. O estilo dos vinhos escolhidos para a harmonização, a meu ver teriam que ter uma boa pegada na acidez, frescor, corpo moderado, taninos suaves e aromas algo herbáceos e leve/médio frutados.

    Diante disso, escolhi dois exemplares espanhóis do gênio Raúl Pérez, viticultor e enólogo dos vinhos mais mediáticos do país. “Seu nome está na boca de muitos, porém na taça de poucos”, diz Luis Gutierrez, da equipe do mais famoso crítico de vinhos do mundo que é Robert Parker (RP). Em geral, são produzidos em quantidades muito limitadas, em torno de mil e quinhentas garrafas. O branco escolhido foi da região de Rías Baixas, o Leirana 2014 (92 pontos RP), um Albariño, um senhor Albariño, diga-se de passagem, e o tinto veio da região de Bierzo, o Ultreia Clos Saint Jacques 2013 (93 pontos RP), um vinhaço à base da uva Mencía.

    A Linguiça artesanal de Maniçoba, com molho de cerveja preta, vem acompanhada de pão artesanal. Para quem não conhece a maniçoba, ela tem origem na folha da maniva (mandioca) triturada, que fervida por um tempo retira seu veneno. Tradicionalmente é preparada com carne suína e outros ingredientes salgados e defumados. É a “feijoada paraense”. Particularmente, gosto muito de maniçoba (daí o pedido), porém ela não é nada fotogênica. Ao visualizá-la não tem como não lembrar do mecônio (primeiras evacuações dos recém-nascidos), ainda mais para quem já foi parteiro, como é o meu caso. Em minha opinião, acho que a bebida de Baco em pratos que tenha maniçoba, não dá casamento, e no caso da linguiça, o melhor parceiro a meu ver, seria uma cerveja preta. Que tal a mesma do molho? Brigou com os dois vinhos, tentados apenas para confirmar a má expectativa.

    Não esperava também que os vinhos trazidos propiciassem grande harmonização com os Guiozas de carne com jambu, molho tucupi, melaço e shoyu, que trazia componentes: salgado (carne, shoyu) doce (fina massa, melaço) e picante (jambu e tucupi), aromas herbáceos e textura leve, macia e discreto picante. Foi razoavelmente bem com o Albariño Leirana. É bom dizer que um bom espumante, que funciona como um curinga diante de pratos exóticos, é sempre uma opção interessante. Experimente mastigar uma flor de jambu e ao ingeri-la beba um pouco de espumante brut e veja o que acontece: explosão de frescor!

    E os pratos com os peixes de rio? Filhote versus tambaqui. Ganha de goleada o filhote. Ambos maravilhosos, mas o filhote é sem dúvida o melhor peixe do Brasil, quiçá do mundo, foi assim que coloquei em um post de minha página no Instagram. O prato de filhote veio acompanhado de salada de feijão caupi, macaxeira na manteiga e farofa e o prato de tambaqui tinha a companhia de purê de abóbora assada e tropeiro de feijão caupi. Comum aos dois, temos o componente salgado e doce, aromas herbáceos e algo doce e textura média/intensa, cremoso. Ambos os vinhos propiciaram bons casamentos, um pouquinho melhor com o branco Leirana.

    Com o Arroz de pato à paraense, feito com lascas de pato caipira cozidas com arroz, tucupi, jambu, castanhas e temperos do Pará (tucupi e jambu, muito leves), o Ultreia Clos St. Jacques 2013 casou de maneira fantástica.

    Valeu a ida ao Remanso do Bosque? Sim, e muito! Porém, em Belém tem muitos outros lugares além dos Remansos (pois têm também o Remanso do Peixe) que vale a pena conhecer. Sobre isso, falamos em outra oportunidade.

    Gerson
    Gerson Lopes é médico mineiro com atuação em sexologia e acredita que a vida é o melhor afrodisíaco. Criador do site Vinho e Sexualidade


    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *